quinta-feira, 29 de maio de 2008

Espera

"Madonna of the Lilies", Alphonse Mucha, 1905








Aqui onde o exílio
dói como agulhas fundas,
esperarei por ti
até que todas as coisas sejam mudas.

Até que uma pedra irrompa
e floresça.
Até que um pássaro me saia da garganta
e no silêncio desapareça.



Eugénio de Andrade

terça-feira, 27 de maio de 2008

"Praia de Cascais", D. Carlos de Bragança, 1906




Lindo!...

"Lua Adversa", Cecília Meireles

Tenho fases, como a lua
fases de andar escondida,
fases de vir para a rua...
Perdição da minha vida!
Perdição da vida minha!
Tenho fases de ser tua,
tenho outras de ser sozinha.

Fases que vão e que vêm,
no secreto calendário
que um astrólogo arbitrário
inventou para meu uso.

E toda a melancolia
seu interminável fuso!
Não me encontro com ninguém
(tenho fases como a lua...)
No dia de alguém ser meu
não é dia de eu ser sua...
E, quando chega esse dia,

o outro desapareceu...

Cecília Meireles

"Sinfonia Azul", António Carneiro, 1910




Introspecção ao lusco-fusco...

"O Limpa-Palavras", Álvaro Magalhães

Limpo palavras.
Recolho-as à noite, por todo o lado:
a palavra bosque, a palavra casa, a palavra flor.
Trato delas durante o dia
enquanto sonho acordado.
A palavra solidão faz-me companhia.

Quase todas as palavras
precisam de ser limpas e acariciadas:
a palavra céu, a palavra nuvem, a palavra mar.
Algumas têm mesmo de ser lavadas,
é preciso raspar-lhes a sujidade dos dias
e do mau uso.
Muitas chegam doentes,
outras simplesmente gastas, estafadas,
dobradas pelo peso das coisas
que trazem às costas.

A palavra pedra pesa como uma pedra.
A palavra rosa espalha o perfume no ar.
A palavra árvore tem folhas, ramos altos.
Podes descansar à sombra dela.
A palavra gato espeta as unhas no tapete.
A palavra pássaro abre as asas para voar.
A palavra coração não pára de bater.
Ouve-se a palavra canção.
A palavra vento levanta os papéis no ar
e é preciso fechá-la na arrecadação.

No fim de tudo voltam os olhos para a luz
e vão longe,
leves palavras voadoras
sem nada que as prenda à terra
outra vez nascidas pela minha mão:
a palavra estrela, a palavra ilha, a palavra pão.

A palavra obrigado agradece-me.
As outras, não.
A palavra adeus despede-se.
As outras já lá vão, belas palavras lisas
e lavadas como seixos do rio:
a palavra ciúme, a palavra raiva, a palavra frio.

Vão à procura de quem as queira dizer,
de mais palavras e de novos sentidos.
Basta estenderes um braço para apanhares
A palavra barco ou a palavra amor.

Limpo palavras.
A palavra búzio, a palavra lua, a palavra palavra.
Recolho-as à noite, trato delas durante o dia.
A palavra fogão cozinha o meu jantar.
A palavra brisa refresca-me.
A palavra solidão faz-me companhia.


Álvaro Magalhães, O Limpa Palavras e Outros Poemas

"Casamento Perfumado", Popular

"Dar nomes às Flores", Bob Byerley





Queria certa donzela
de olfacto bem apurado
que o seu casamento fosse
de sempre o mais perfumado.

Seu nome era Rosa Branca
Cravo Vermelho seu noivo
madrinha, D. Açucena,
padrinho, o senhor D. Goivo.

Sua grinalda enfeitou
com folhas de laranjeira
e na sua mão levou
um ramo de erva cidreira.

Seus pagens, os manjericos;
Violetas, as suas aias,
seu pai, o senhor Junquilho
Madre Silva em lindas saias.

Veio dizer a cozinheira
que ia tudo perfumar:
“trago salsa e hortelã
para pôr no seu jantar.

Que belo aroma dão
a canela e o coco
para perfumar os bolos
eu vou juntar vinho do Porto.

A bela erva-luísa
veio para servir o chá
como é toda perfumada
que belo jeito me dá.

Diga-me lá, D. Rosa,
se mais perfumes deseja.
Haverá um casamento
Que mais perfumado seja?”


Popular

domingo, 25 de maio de 2008

"Sísifo", Miguel Torga e Ticiano

"Sísifo", Ticiano, 1549





Recomeça...
Se puderes,
Sem angústia e sem pressa.
E os passos que deres,
Nesse caminho duro
Do futuro,
Dá-os em liberdade.
Enquanto não alcances
Não descanses.
De nenhum fruto queiras só metade.

E, nunca saciado,
Vai colhendo
Ilusões sucessivas no pomar.
Sempre a sonhar
E vendo,
Acordado,
O logro da aventura.
És homem, não te esqueças!
Só é tua a loucura
Onde, com lucidez, te reconheças.

Miguel Torga, Obra Poética



*Sísifo: filho de Éolo e Rei de Corinto, temido pelas suas crueldades e rapinas. Foi condenado, depois de morrer, a rolar nos infernos uma pedra enorme até ao alto de uma montanha, donde ela tornava a cair eternamente.




"A Memória", René Magritte, 1948


"Esparsa - Ao desconcerto do mundo", Luís Vaz de Camões

Os bons vi sempre passar
No mundo graves tormentos;
E pera mais me espantar,
Os maus vi sempre nadar
Em mar de contentamentos.


Cuidando alcançar assim
O bem tão mal ordenado,
Fui mau, mas fui castigado.
Assim que só pera mim
Anda o mundo concertado.

Luís de Camões

"O Baloiço", Jean-Honoré Fragonard, 1766


"Liberdade", Fernando Pessoa


Ai que prazer
não cumprir um dever.
Ter um livro para ler
e não o fazer!
Ler é maçada,
estudar é nada.
O sol doira a literatura.
O rio corre bem ou mal,
sem edição original.
E a brisa, essa, de tão naturalmente matinal
como tem tempo, não tem pressa...

Livros são papéis pintados com tinta.
Estudar é uma coisa indistinta
A distinção entre nada e coisa nenhuma.

Quanto melhor é quando há bruma.
Esperar por D. Sebastião,
Quer venha ou não!

Grande é a poesia, a bondade e as danças...
Mas o melhor do mundo são as crianças,
Flores, música, o luar, e o sol que peca
Só quando, em vez de criar, seca.

E mais do que isto
É Jesus Cristo,
Que não sabia nada de finanças,
Nem consta que tivesse biblioteca...


Fernando Pessoa, Obras Completas

"Romeu e Julieta", Sir Frank Dicksee, 1884


"Senhora, partem tão tristes", João Roiz de Castelo Branco

Senhora, partem tão tristes
meus olhos por vós, meu bem,
que nunca tão tristes vistes
outros nenhuns por ninguém.

Tão tristes, tão saudosos,
tão doentes da partida,
tão cansados, tão chorosos,
da morte mais desejosos
cem mil vezes que da vida.
Partem tão tristes os tristes,
tão fora d’esperar bem,
que nunca tão tristes vistes
outros nenhuns por ninguém.

João Roiz de Castelo Branco
(séc. XV)



Sublime!...

quarta-feira, 21 de maio de 2008

"Este inferno de amar", Almeida Garrett

"Amor", Gustav Klimt, 1895




Este inferno de amar – como eu amo!-
Quem mo pôs aqui n’alma...quem foi?
Esta chama que alenta e consome,
Que é a vida - e que a vida destrói-
Como é que se veio a atear,
Quando – ai quando se há-de ela apagar?

Eu não sei, não me lembra: o passado,
A outra vida que dantes vivi
Era um sonho talvez... – foi um sonho –
Em que paz tão serena a dormi!
Oh! que doce era aquele olhar...
Quem me veio, ai de mim! despertar?

Só me lembra um dia formoso.
Eu passei...dava o Sol tanta luz!
E os meus olhos, que vagos giravam,
Em seus olhos ardentes os pus.
Que fez ela? eu que fiz? – não no sei:
Mas nessa hora a viver comecei...

Almeida Garrett, Folhas Caídas

"Electric Dreams", Phil Oakey, 1984



I only knew you for a while
I never saw your smile
‘Till it was time to go
Time to go away
Time to go away

Sometimes its hard to recognise
Love comes as a surprise
And its too late
It's just to late to stay
To late to stay


We'll always be together
However far it seems
Love never ends
We'll always be together
Together in electric dreams

Because the friendship that you gave
Has taught me to be brave
No matter where I go
I'll never find a better prize
Find a better prize

Though your miles and miles away
I see you everyday
I don't have to try
I just close my eyes
I close my eyes

segunda-feira, 19 de maio de 2008

"Aquele Inverno", Delfins



Há sempre um piano
um piano selvagem
que nos gela o coração
e nos traz a imagem
daquele Inverno

Há sempre a lembrança
de um olhar a sangrar
de um soldado perdido
em terras do Ultramar
por obrigação
naquela missas

Combater na selva
sem saber porque
e sentir o inferno
de matar alguém
e quem regressou
guarda a sensação
que lutou
numa guerra
sem razão

Há sempre a palavra
a palavra Nação
que os chefes trazem e usam
para esconder a razão
da sua vontade
daquela verdade

E para eles aquele Inverno
será sempre o mesmo inferno
que ninguém poderá esquecer
ter que matar ou morrer
ao sabor do vento
naquele tormento

Perguntei ao céu
será sempre assim
poderá o Inverno
nunca ter um fim
não sei responder
só talvez lembrar
o que alguém
que voltou, veio contar
recordar



Hoje e sempre a guerra colonial...

sábado, 17 de maio de 2008

"Porque Mentias?" - "Essas Mulheres", Rede Record, 2005



Gabriel Braga Nunes... Simplesmente SOBERBO...

"Asas" - GNR



Asas servem para voar
para sonhar ou para planar
Visitar espreitar espiar
Mil casas do ar

As asas não se vão cortar
Asas são para combater
Num lugar infinito
para respirar o ar

As asas são
para proteger te pintar
Não te esquecer
Visitar espreitar-te
bem alto do ar

Só quando quiseres pousar
da paixão que te roer
É um amor que vês nascer
sem prazo, idade de acabar
Não há leis para te prender
aconteça o que acontecer.

terça-feira, 13 de maio de 2008

"Morning (aka Spring)", Maxfield Parrish, 1922



























Promessa

És tu a Primavera que eu esperava,

A vida multiplicada e brilhante,

Em que é pleno e perfeito cada instante.




Sophia de Mello Breyner Andresen



Melhor em tão poucas palavras é virtualmente impossível...

sábado, 10 de maio de 2008

"Praia das Maçãs", José Malhoa, 1918


Como um fruto

Como um fruto que mostra,
aberto pelo meio,
a frescura do centro

assim é a manhã
dentro da qual eu entro.


Sophia de Mello Breyner Andresen








Intemporal...