domingo, 25 de maio de 2008

"Sísifo", Miguel Torga e Ticiano

"Sísifo", Ticiano, 1549





Recomeça...
Se puderes,
Sem angústia e sem pressa.
E os passos que deres,
Nesse caminho duro
Do futuro,
Dá-os em liberdade.
Enquanto não alcances
Não descanses.
De nenhum fruto queiras só metade.

E, nunca saciado,
Vai colhendo
Ilusões sucessivas no pomar.
Sempre a sonhar
E vendo,
Acordado,
O logro da aventura.
És homem, não te esqueças!
Só é tua a loucura
Onde, com lucidez, te reconheças.

Miguel Torga, Obra Poética



*Sísifo: filho de Éolo e Rei de Corinto, temido pelas suas crueldades e rapinas. Foi condenado, depois de morrer, a rolar nos infernos uma pedra enorme até ao alto de uma montanha, donde ela tornava a cair eternamente.




"A Memória", René Magritte, 1948


"Esparsa - Ao desconcerto do mundo", Luís Vaz de Camões

Os bons vi sempre passar
No mundo graves tormentos;
E pera mais me espantar,
Os maus vi sempre nadar
Em mar de contentamentos.


Cuidando alcançar assim
O bem tão mal ordenado,
Fui mau, mas fui castigado.
Assim que só pera mim
Anda o mundo concertado.

Luís de Camões

"O Baloiço", Jean-Honoré Fragonard, 1766


"Liberdade", Fernando Pessoa


Ai que prazer
não cumprir um dever.
Ter um livro para ler
e não o fazer!
Ler é maçada,
estudar é nada.
O sol doira a literatura.
O rio corre bem ou mal,
sem edição original.
E a brisa, essa, de tão naturalmente matinal
como tem tempo, não tem pressa...

Livros são papéis pintados com tinta.
Estudar é uma coisa indistinta
A distinção entre nada e coisa nenhuma.

Quanto melhor é quando há bruma.
Esperar por D. Sebastião,
Quer venha ou não!

Grande é a poesia, a bondade e as danças...
Mas o melhor do mundo são as crianças,
Flores, música, o luar, e o sol que peca
Só quando, em vez de criar, seca.

E mais do que isto
É Jesus Cristo,
Que não sabia nada de finanças,
Nem consta que tivesse biblioteca...


Fernando Pessoa, Obras Completas

"Romeu e Julieta", Sir Frank Dicksee, 1884


"Senhora, partem tão tristes", João Roiz de Castelo Branco

Senhora, partem tão tristes
meus olhos por vós, meu bem,
que nunca tão tristes vistes
outros nenhuns por ninguém.

Tão tristes, tão saudosos,
tão doentes da partida,
tão cansados, tão chorosos,
da morte mais desejosos
cem mil vezes que da vida.
Partem tão tristes os tristes,
tão fora d’esperar bem,
que nunca tão tristes vistes
outros nenhuns por ninguém.

João Roiz de Castelo Branco
(séc. XV)



Sublime!...