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quinta-feira, 1 de janeiro de 2009
"Canção Lógica" de Fagundes Varela -Declamação
Teus olhos são duas sílabas
Que me custam soletrar,
Teus lábios são dous vocábulos
Que não posso,
Que não posso interpretar.
Teus seios são alvos símbolos
Que vejo sem traduzir;
São os teus braços capítulos
Que podem,
Que podem me confundir.
Teus cabelos são gramáticas
Das línguas todas de amor,
Teu coração - tabernáculo
Muito próprio,
Próprio de ilustre cantor.
O teu caprichoso espírito,
Inimigo do dever,
É um terrível enigma
Ai! que nunca,
Que nunca posso entender.
Teus pezinhos microscópios,
Que nem rastejam no chão,
São leves traços estéticos
Que transtornam,
Que transtornam a razão!
Os preceitos de Aristóteles
Neste momento quebrei!
Tendo tratado dos píncaros,
Oh! nas bases,
Nas bases me demorei.
Etiquetas:
Amor,
Fagundes Varela,
Poesia
quinta-feira, 24 de julho de 2008
quinta-feira, 17 de julho de 2008
segunda-feira, 14 de julho de 2008
Cão

"Putto e o cachorro", Masaccio (1427-1428)
Cão passageiro, cão estreito,
cão rasteiro cor de luva amarela,
apara-lápis, fraldiqueiro,
cão liquefeito, cão estafado,
cão de gravata pendente,
cão de orelhas engomadas,
de remexido rabo ausente,
cão ululante, cão coruscante,
cão magro, tétrico, maldito,
a desfazer-se num ganido,
a refazer-se num latido,
cão disparado: cão aqui,
cão além, e sempre cão.
Cão amarrado, preso por um fio de cheiro,
cão a esburgar o osso
essencial do dia-a-dia,
cão estouvado de alegria,
cão formal da poesia,
cão-soneto de ão-ão bem martelado,
cão moído de pancada
e condoído do dono
cão: esfera do sono,
cão de pura invenção, cão prefabricado,
cão espelho, cão cinzeiro, cão botija,
cão de olhos que afligem,
cão-problema...
Sai depressa, ó cão, deste poema!
Alexandre O’Neill
Etiquetas:
Poesia
sábado, 5 de julho de 2008
segunda-feira, 23 de junho de 2008
O Homem do Leme
O Mostrengo
O mostrengo que está no fundo do mar
Na noite de breu ergueu-se a voar;
À roda da nau voou três vezes,
Voou três vezes a chiar,
E disse: "Quem é que ousou entrar
Nas minhas cavernas que não desvendo,
Meus tectos negros do fim do mundo?"
E o homem do leme disse, tremendo:
"El-Rei D. João Segundo!"
"De quem são as velas onde me roço?
De quem as quilhas que vejo e ouço?"
Disse o mostrengo, e rodou três vezes,
Três vezes rodou imundo e grosso.
"Quem vem poder o que só eu posso,
Que moro onde nunca ninguém me visse
E escorro os medos do mar sem fundo?"
E o homem do leme tremeu, e disse:
"El-Rei D. João Segundo!"
Três vezes do leme as mãos ergueu,
Três vezes ao leme as reprendeu,
E disse no fim de tremer três vezes:
"Aqui ao leme sou mais do que eu:
Sou um Povo que quer o mar que é teu;
E mais que o mostrengo, que me a alma teme
E roda nas trevas do fim do mundo,
Manda a vontade, que me ata ao leme,
De El-Rei D. João Segundo!"
Fernando Pessoa, “Mensagem”
Etiquetas:
Fernando Pessoa,
História de Portugal,
Música Portuguesa,
Poesia
"No fundo do Mar"
Fundo do Mar
No fundo do mar há brancos pavores,
Onde as plantas são animais
E os animais são flores.
Mundo silencioso que não atinge
A agitação das ondas.
Abrem-se rindo conchas redondas,
Baloiça o cavalo-marinho.
Um polvo avança
No desalinho
Dos seus mil braços,
Uma flor dança,
Sem ruído vibram os espaços.
Sobre a areia o tempo poisa
Leve como um lenço.
Mas por mais bela que seja cada coisa
Tem um monstro em si suspenso.
Sophia de Mello Breyner Andresen
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Mar,
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Profundezas
quarta-feira, 18 de junho de 2008
"Minha Senhora de Mim", Teresa Horta
Minha senhora de mim
Comigo me desavim
minha senhora
de mim
sem ser dor ou ser cansaço
nem o corpo que disfarço
Comigo me desavim
minha senhora
de mim
nunca dizendo comigo
o amigo nos meus braços
Comigo me desavim
minha senhora
de mim
recusando o que é desfeito
no interior do meu peito
Maria Teresa Horta, Editorial Futura, 1974
Comigo me desavim
minha senhora
de mim
sem ser dor ou ser cansaço
nem o corpo que disfarço
Comigo me desavim
minha senhora
de mim
nunca dizendo comigo
o amigo nos meus braços
Comigo me desavim
minha senhora
de mim
recusando o que é desfeito
no interior do meu peito
Maria Teresa Horta, Editorial Futura, 1974
domingo, 8 de junho de 2008
"Dia de Anos", João de Deus

"Conspiração Nocturna no Jardim do Duque da Terceira", Carlos Carreiro, 2006
Com que então caiu na asneira
De fazer na quinta-feira
Vinte e seis anos! Que tolo!
Ainda se os desfizesse...
Mas fazê-los não parece
De quem tem muito miolo!
Não sei quem foi que me disse
Que fez a mesma tolice
Aqui o ano passado...
Agora o que vem, aposto,
Como lhe tomou o gosto,
Que faz o mesmo? Coitado!
Não faça tal; porque os anos
Que nos trazem? Desenganos
Que fazem a gente velho:
Faça outra coisa; que em suma
Não fazer coisa nenhuma,
Também lhe não aconselho.
Mas anos, não caia nessa!
Olhe que a gente começa
Às vezes por brincadeira,
Mas depois se se habitua,
Já não tem vontade sua,
E fá-los queira ou não queira!
João de Deus
sábado, 7 de junho de 2008
quarta-feira, 4 de junho de 2008
"Presente", Affonso Romano de Sant'Anna

"Pequena Fiandeira Napolitana", António Ramalho, 1877
O que te dar neste dia?
O que te daria eu ontem
quando não te conhecia?
E amanhã, o que te darei
se hoje não te dei
o que devia?
O que te dou é apenas
Sombra do que queria.
Dou-te Prosa, e o que desejo
era dar-te Poesia.
Affonso Romano de Sant’Anna
terça-feira, 27 de maio de 2008
"O Limpa-Palavras", Álvaro Magalhães
Limpo palavras.
Recolho-as à noite, por todo o lado:
a palavra bosque, a palavra casa, a palavra flor.
Trato delas durante o dia
enquanto sonho acordado.
A palavra solidão faz-me companhia.
Quase todas as palavras
precisam de ser limpas e acariciadas:
a palavra céu, a palavra nuvem, a palavra mar.
Algumas têm mesmo de ser lavadas,
é preciso raspar-lhes a sujidade dos dias
e do mau uso.
Muitas chegam doentes,
outras simplesmente gastas, estafadas,
dobradas pelo peso das coisas
que trazem às costas.
A palavra pedra pesa como uma pedra.
A palavra rosa espalha o perfume no ar.
A palavra árvore tem folhas, ramos altos.
Podes descansar à sombra dela.
A palavra gato espeta as unhas no tapete.
A palavra pássaro abre as asas para voar.
A palavra coração não pára de bater.
Ouve-se a palavra canção.
A palavra vento levanta os papéis no ar
e é preciso fechá-la na arrecadação.
No fim de tudo voltam os olhos para a luz
e vão longe,
leves palavras voadoras
sem nada que as prenda à terra
outra vez nascidas pela minha mão:
a palavra estrela, a palavra ilha, a palavra pão.
A palavra obrigado agradece-me.
As outras, não.
A palavra adeus despede-se.
As outras já lá vão, belas palavras lisas
e lavadas como seixos do rio:
a palavra ciúme, a palavra raiva, a palavra frio.
Vão à procura de quem as queira dizer,
de mais palavras e de novos sentidos.
Basta estenderes um braço para apanhares
A palavra barco ou a palavra amor.
Limpo palavras.
A palavra búzio, a palavra lua, a palavra palavra.
Recolho-as à noite, trato delas durante o dia.
A palavra fogão cozinha o meu jantar.
A palavra brisa refresca-me.
A palavra solidão faz-me companhia.
Álvaro Magalhães, O Limpa Palavras e Outros Poemas
Recolho-as à noite, por todo o lado:
a palavra bosque, a palavra casa, a palavra flor.
Trato delas durante o dia
enquanto sonho acordado.
A palavra solidão faz-me companhia.
Quase todas as palavras
precisam de ser limpas e acariciadas:
a palavra céu, a palavra nuvem, a palavra mar.
Algumas têm mesmo de ser lavadas,
é preciso raspar-lhes a sujidade dos dias
e do mau uso.
Muitas chegam doentes,
outras simplesmente gastas, estafadas,
dobradas pelo peso das coisas
que trazem às costas.
A palavra pedra pesa como uma pedra.
A palavra rosa espalha o perfume no ar.
A palavra árvore tem folhas, ramos altos.
Podes descansar à sombra dela.
A palavra gato espeta as unhas no tapete.
A palavra pássaro abre as asas para voar.
A palavra coração não pára de bater.
Ouve-se a palavra canção.
A palavra vento levanta os papéis no ar
e é preciso fechá-la na arrecadação.
No fim de tudo voltam os olhos para a luz
e vão longe,
leves palavras voadoras
sem nada que as prenda à terra
outra vez nascidas pela minha mão:
a palavra estrela, a palavra ilha, a palavra pão.
A palavra obrigado agradece-me.
As outras, não.
A palavra adeus despede-se.
As outras já lá vão, belas palavras lisas
e lavadas como seixos do rio:
a palavra ciúme, a palavra raiva, a palavra frio.
Vão à procura de quem as queira dizer,
de mais palavras e de novos sentidos.
Basta estenderes um braço para apanhares
A palavra barco ou a palavra amor.
Limpo palavras.
A palavra búzio, a palavra lua, a palavra palavra.
Recolho-as à noite, trato delas durante o dia.
A palavra fogão cozinha o meu jantar.
A palavra brisa refresca-me.
A palavra solidão faz-me companhia.
Álvaro Magalhães, O Limpa Palavras e Outros Poemas
domingo, 25 de maio de 2008
"Sísifo", Miguel Torga e Ticiano
Recomeça...
Se puderes,
Sem angústia e sem pressa.
E os passos que deres,
Nesse caminho duro
Do futuro,
Dá-os em liberdade.
Enquanto não alcances
Não descanses.
De nenhum fruto queiras só metade.
E, nunca saciado,
Vai colhendo
Ilusões sucessivas no pomar.
Sempre a sonhar
E vendo,
Acordado,
O logro da aventura.
És homem, não te esqueças!
Só é tua a loucura
Onde, com lucidez, te reconheças.
Miguel Torga, Obra Poética
*Sísifo: filho de Éolo e Rei de Corinto, temido pelas suas crueldades e rapinas. Foi condenado, depois de morrer, a rolar nos infernos uma pedra enorme até ao alto de uma montanha, donde ela tornava a cair eternamente.
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